21 de junho de 2013

Os Fantasmas


Meus caros, esses dias todo mundo viu fantasmas em toda parte; o Fantasma da Liberdade, o Fantasma da Opressão, o Fantasma do Golpe, o Fantasma do Complô, o Fantasma do Momento em que Vamos Mudar o Brasil.

Eu tive um certo receio do golpe desde o início, há poucos dias. Agora, acredito que não será neste momento; não há, pelo jeito, força capaz de domar esta onda que vem varrendo o país de forma caótica.

Então, agora estou livre para criticar o PT. Sim, o PT, pois votei diversas vezes no PT, e em política, nos papos de boteco sou identificado como "petista". Faltam-me no entanto a carteirinha e a sinecura. Dispenso ambas.

Bobagem pontual do PT: Rui Falcão vir convocar passeata na Paulista, no dia em que o movimento do passe livre ia comemorar a vitória. Maquiavel de camelódromo, só jogou gasolina na fogueira. Mas isso foi pontual, foi em São Paulo, podia ter dado mais merda do que deu.

Cagadas homéricas: 1 -o PT, um partido que está no comando da União já há dez anos, tem de deixar de se vitimizar. Perderam o bonde do movimento, assim como os demais partidos. Não deu pra dizer, e essa tem sido a primeira muleta, que "o PSDB" está por trás do movimento. A tucanada foi pega igualmente de calças na mão. Agora, se não há apoio ao governo do PT, é "golpe". Não é, o PT tem a mania da hegemonia, não sabe lidar com o contraditório. A mania da hegemonia pode estar na herança genética do velho comunismo, um retrato na parede. E tem a ver com a dificuldade em compor, vide o esforço de cima pra baixo de Lula para celebrar a aliança que lhe deu a presidência.

2 - Políticas sociais, transferência de renda - houve um trabalho nesse sentido, mas isso é muito pouco. As pessoas querem muito mais. Isto exibido como estandarte não quer dizer nada; por mais interessante que tenha sido, é muito pouco, a desigualdade do Brasil ainda é grande. As pessoas querem continuar avançando. Dizer pra quem fala mal do governo, "o bolsa família permitiu às pessoas de baixa renda melhorar, sair da miséria", tudo bem, mas isso só não justifica o governo inteiro. Ou justifica? Essa política vai segurar o edifício inteiro?

3 - Coalizão política para governar; governabilidade - todo mundo sabia que ia ser difícil, agora quem ganhou não pode reclamar, tem mais é de se matar para conseguir passar as políticas desejadas, exigidas pelo povo, não dá pra reclamar do PMDB ou do presidencialismo de coalizão. Sempre souberam o que seria essa aliança. Em vez de tentar cooptar o passe livre, porque o Rui Falcão não cria uma estratégia para engolir o PMDB? Ou, porque ele não vai pra casa de uma vez? Por que a sua militância não está na rua pela reforma política? resposta óbvia: porque está (estava) cômodo.

4 - As políticas públicas estão um lixo, se as transferências da União financiam a maioria dos entes federados (maioria dos municípios, muitos estados) põe o TCU em cima da execução orçamentária de todo o Brasil, tem pessoal qualificado, põe o salário do TCU lá em cima. Passe uma lei pra isso. Se virem. E varre, diminui exponencialmente o cancro da corrupção, da gatunagem da verba pública no país. Para isso haverá sempre apoio político, se vocês temem o PMDB, ou sei lá quem, a rede fisiológica dos prefeitos-saúva dos municípios, porque eles vão retaliar com tudo, é claro, chamem o povo. Tentem reaprender mobilização popular com essa molecada que fez isso nesses últimos 15 dias. Com essa bandeira, as hordas que varreram o país vão se mobilizar.

 5 - Os serviços públicos têm de ter qualidade, não basta mais tentar alcançar uma estatística para publicar, o cara lá da ponta que usa o serviço quer se manifestar e dizer que o serviço está uma merda, e ele será ouvido, tanto ou mais que o prócer da executiva nacional do partido de vocês. Mais, porque os encastelados nas estruturas burocráticas perdem a credibilidade.

6 - O PT não tem o monopólio da virtude, e vocês fizeram um monte de cagadas, isso é de domínio público.   Se for pra vir pro debate "esquerda virtuosa x direita malvada" nem vem, deixa as hordas nas ruas.

Por ora é isso.

18 de junho de 2013

O Tiozão da manifestação

Estive ontem em um pedaço da manifestação que andou por toda cidade. Da Faria Lima à Água Espraiada, subindo pela Santo Amaro em direção à Paulista. Um pedaço mesmo, caminhei um pouco com o pessoal. O que vi: pessoal jovem em absoluta maioria. Eu era um tiozão obviamente. O tiozão da manifestação. Entrei na fila na Água Espraiada, abaixo da Avenida Portugal, dobrei a Santo Amaro e fui até Moema, de onde voltei a pé, ainda mais que sem um puto no bolso, só com chaves e o telefone, nem o busão a 3,20 poderia pegar. Conversei com uns e outros. O que ouvi: resistência aos partidos, embora tenha visto uma bandeira (pequena) do PSTU. Era muita gente, como todos já sabem. Uma moça me disse: "A Dilma tá perdida. Nós não vamos eleger a Dilma". Alguns têm consciência do peso político. Uma pessoa mais da minha faixa etária engatou um papo comigo, vendo que eu andava puxando conversa. Disse que a manifestação era sobre tudo, era contra o Mensalão, contra a corrupção, a amante do Lula. Aquela Rosimeire. E percebo que sou irremediavelmente irônico. Eu era realmente um estranho na tal manifestação. 
Av. Santo Amaro, perto do viaduto da Bandeirantes
Vamos a meus pensamentos sobre ela, porque é disso que estou escrevendo: muita gente já disse, o foco está disperso, tem muita gente oferecendo bandeira ao movimento. PEC 37, copa do mundo, cadeia para os "mensaleiros" - esta, sugestão do comandante da PM. Existe um desejo de unidade das pessoas e uma pluralidade de intérpretes do movimento, ouvi uma jornalista hoje, falando desde os EUA, dizendo que o movimento era isso e aquilo. Ora, minha senhora, se a gente aqui não sabe...
Os partidos perderam o bonde, obviamente, da representação. E essa manifestação é um esboço sem jeito de uma maneira qualquer de ter representação política. Não me sai da cabeça também a velha paranóia, de que o movimento tem maior organização do que quer aparentar. Pra dizer de uma vez, o medo do golpe. 
Depois, em casa, assisti com a Sandra os dois representantes do Passe Livre no Roda Viva, bons, bem articulados, mantendo o foco na redução da tarifa de ônibus. 
O F2, que é das internas nesse negócio de anarquismo, mostra que tem um pessoal muito puto com o escamoteamento do conflito na manifestação de ontem. Não deixam de ter certa razão. Por outro lado, a quem interessa a desestabilização, qual o fruto maduro pra ser colhido se essa árvore for chacoalhada? Tem sempre raposas espertas prontas a tirar proveito da radicalização. Enfim, muita incerteza, e alguma estranheza num movimento que, mesmo nas internas, debate-se tentando entender a que veio. 

13 de junho de 2013

No meu tempo...



Essa molecada de hoje é boa demais, no meu tempo não tinha isso não, não tinha essa clareza de visão.

Em tempo: e o PCC?

Detesto ter de escrever um texto como esse. Tenho muito mais vontade em falar sobre como foi emocionante andar pelas ruas de São Paulo ao lado de 15 a 20 mil pessoas, sob forte temporal. Uma chuva grossa que afastou uma parte considerável dessa galera, mas fortaleceu quem decidiu ficar. Ficar pra valer, com certeza de que essa tarifa será reduzida agora, imediatamente, certeza de que o transporte não estará mais nas mãos de empresas privadas (ou regido sob um viés privado ainda que em controle do poder público) e certeza de que essa tarifa nem deveria existir. Simples, ora, como já escrevemos tantas e tantas vezes, o deslocamento deve ser um direito, algo que caiba a todo mundo, sem exclusão, assim como o é a saúde e a educação.

Gostaria muito mais de celebrar o nosso campo de luta, dando ênfase no Movimento Passe Livre, que é indiscutivelmente de esquerda, de esquerda de verdade: se motiva pelas necessidades populares, contra as derrotas que o capitalismo tenta nos impor e por projetos que garantam melhores condições de vida para o conjunto mais explorado da nossa sociedade. Está do lado das pessoas, não dos governos. Enfim, a tarifa de ônibus não tem partido e deve ser combatida, independente da conjuntura do poder. A tarifa é um muro de Israel, que impede a passagem de um povo por seu território. A tarifa é um apartheid urbano.

Vim aqui escrever esse texto curto por outro motivo. Para dizer que mesmo sendo um ato imenso, só teve um momento realmente violento: o final premeditado pela polícia. Não foi no tenso impasse diante do Terminal Parque Dom Pedro, cujo desfecho pareceu até simples: tropa de choque se postou diante do ato e a força tática se posicionou atrás. Não havia pra onde ir, eles atacaram, recuamos.

Depois dessa dispersão, vários pequenos e grandes atos rolaram simultaneamente, até que a rapaziada voltou para a Avenida Paulista. Lá a manifestação tomou todas as pistas de uma das vias, sentido Consolação. Depois de cinco horas de pernada pelo centro de São Paulo, o ato se encaminhava para um final. Na altura do vão do Masp, uma parte dos manifestantes tentou ocupar a outra via da avenida. Bem ali estava a tropa de choque e vários de seus amiguinhos da polícia militar em volta de sua base.

Alguém foi detido. Sei lá por quê. Eram pouquíssimas pessoas nessa “ala”. Mas quem estava lá gritou pela soltura do detido. Ou detida, não posso ter certeza se era homem ou mulher*. Enfim, a turma gritou, o resto da multidão estava se aproximando e nessa hora os canalhas da polícia militar começaram a jogar várias dessas novas bombas de gás, brutais, densas, que permanecem no ar, no seu rosto e na sua traqueia por mais tempo. Ficamos presos, entocados. Estou falando de milhares de pessoas, 5 mil, 6 mil, 7 mil, por aí. Uma parte dessa turma desceu a primeira rua que encontrou. Outra permaneceu esmagada na porta do museu. E outra tentou recuar pela própria avenida. Não satisfeitos com essa primeira “dispersão”, seguiram atrás dos manifestantes atirando uma bomba atrás da outra. Contei dezoito, enquanto andava sem saber pra onde, sem enxergar e sem conseguir respirar.

Nessa hora vi o primeiro cara empunhando uma barra de ferro. Quis quebrar o carro de reportagem de uma emissora de TV, mas todos ao seu redor o impediram. A polícia por sua vez voltou a atacar, empurrando essas pessoas para ruas no entorno da avenida, com mais bombas, mais gás. A revolta foi estimulada de fora para dentro, por aqueles que têm o monopólio da violência e brinquedinhos capazes de realizar essa violência, contra outros que não podem fazer mais nada além de quebrar vidraças e lixeiras. Provavelmente amanhã leremos que o movimento como um todo tem como traço característico uma sede prioritária de violência. Não é verdade. Ainda que eu não caia nesse conto moralista e conservador sobre a violência. Nesta nossa sociedade, dividida em classes e mantida por um Estado agressivo, a violência é permanente: na fome, na miséria, na repressão ao desenvolvimento pleno de cada indivíduo, transformados um a um em meras máquinas de produção de riqueza para poucos.

Policiais caçaram manifestantes pelas ruas. Só de uma delegacia soube de 25 detidos. Aguardo um número preciso. E enquanto escrevo isso, leio pelo twitter do Passa Palavra que “o delegado responsável pelas detenções na manifestação contra o aumento exige R$ 20 mil por detido em flagrante, independente da acusação”.

Já presenciei situações em que o Estado foi não só repressor, mas cruel. Nas duas vezes em que nosso movimento em Floripa reduziu as passagens. Quanto mais eles batiam, mais o movimento crescia. A indignação por conta dessa violência superou a manipulação de informações e extrapolou os limites do alcance do movimento. Muitos vieram, não só contra a injustiça no transporte, mas contra a injustiça em relação à liberdade de lutar. Por sinal, um direito que temos apenas porque muitos se manifestaram, por vezes de forma mais intensa.

Quinta-feira vai ser maior.