29 de maio de 2009

A máquina paródica do Grifo - II


resumo do capítulo anterior: o Grifo possui uma máquina paródica!



Aquela preocupação com a máquina do grifo naturalmente foi cedendo seu lugar a outras, como costuma acontecer; o gás, a poluição, o tempo que muda, a taxa de juros, nosso time, quantas mais? Até que dobrei uma esquina e precebi que de cima de um telhado o Grifo me espreitava com um sorriso no bico. Ai, a multímoda criatura, pensei, e lá estava ele diante de mim, abanando as asas. - Olá, meu amigo humano. Como vai? - Assim, assim, meu caro Grifo. E você? - Ah, meu chapa, minha máquina é fantástica! Vamos até lá, vou te mostrar o que ela é capaz de fazer. Ainda nem cheguei aos limites dela... - Mas Grifo, eu estou indo ao banco, logo ali, pagar minhas contas. - Ah, os negócios humanos! Sempre as preocupações mais irrelevantes... A criatura estava totalmente absorvida pela máquina. Eu me lembrei do que pensara sobre a máquina, aquela sensação estranha de não saber o que era efeito da máquina e o que não. Mas, rá, o hábito de rir das preocupações iria falar mais alto. - Bem, Grifo, o banco é logo ali... - Nem se fala mais nisso. Vamos logo ao banco, e depois faço questão que você vá ver minha máquina. Fica difícil negociar com um animal que quando abre as asas tem uma envergadura de mais de cinco metros. Enquanto eu discutia com o gerente, o Grifo descansava entre as gárgulas da fachada. Logo depois estávamos voando, eu montado na coluna do Grifo e o animal impávido pelo ar, rumo aos arrabaldes da cidade, onde o Grifo mora.


continua...

28 de maio de 2009

A educação pela porrada, ou desumanizar é política pública


O assunto deu capa do jornal Agora, soube pelo blog do Paulo Henrique Amorim; crítica à educação pública, ninguém se importa mais com isso, é algo que se aceita como um fato da vida. Essa novidade, no entanto, vem de fora do sistema educacional, sempre esculachado e humilhado, vem dos livros didáticos, cujas vendas sustentam as maiores editoras do país, mimadas com imunidade tributária e produzindo livros caros. O texto que transcrevo abaixo foi incluído em livro distribuído para a 3ª série do ensino fundamental, livro produzido pela Editora Ática, hoje de propriedade do Grupo Abril:

MANUAL DE AUTO-AJUDA PARA SUPERVILÕES
Ao nascer, aproveite seu próprio umbigo e estrangule toda a equipe médica.É melhor não deixar testemunhas.
Não vá se entusiasmar e matar sua mãe.
Até mesmo supervilões precisam ter mães.
Se recuse a mamar no peito.Isso amolece qualquer um.
Não tenha pai. Um supervilão nunca tem pai.
Afogue repetidas vezes seu patinho de borracha na banheira,Assim sua técnica evoluírá. Não se preocupe. Patos abundam por aí.
Escolha bem seu nome. Maurício, por exemplo. Ou Malcom.
Evite desde o início os bem-intencionados. Eles são superchatos,Deixe os idiotas uivarem. Eles sempre uivam, mesmo quando não podem mais abrir a boca.
Odeie. Assim, por esporte.
E torça por time nenhum.
Aprenda a cantar samba, rap e jogar dama.Pode ser muito útil na cadeia. Principalmente brincar de dama.
Ginga e lábia, com ardor. Estômago no lugar do coração, pedra no rim em vez de alma.
Tome drogas, pois é sempre aconselhável ver o panorama do alto.
Fale cuspindo. Super-heróis odeiam isso.
Pactos existem para serem quebrados.Mesmo que seja com o diabo.
Nunca ame ninguém. Estupre.
Execre o amável. Zele pelo abominável.
Seja um pouco efeminado.
Isto sempre funciona com estilistas.

No mínimo o seguinte: o contrato de compra tem de ser anulado, por lesivo ao interesse público, e o gestor de recursos tem de devolver todo o dinheiro pago. E chamem a editora pro rolo também. Sobre o conteúdo do texto, depois de vomitar quem sabe eu fale alguma coisa. Um filho da puta desses não tem a menor noção do que seja uma criança, e qual a responsabilidade de um idiota que se mete no processo educacional.

20 de maio de 2009

A máquina paródica do Grifo

O Grifo adquiriu de terceira mão uma máquina paródica. À distância, parece um moedor de carne, nada demais; segundo ele, quando ligada, a máquina emite ondas que ativam no proprietário a zona paródica do cérebro. Confessei a ele que nunca tinha ouvido falar desse constructo cerebral; o grifo deu de ombros (o que no caso dele sempre é meio assustador): realmente, ninguém ouviu falar muito disso, mas existe essa zona paródica, responsável pela interpretação de estruturas homólogas e replicação na forma de linguagem e contexto, e além disso... eu interrompi o quadrúpede alado, calma meu caro, isso está ficando complicado (na verdade eu queria refrear o entusiasmo do bicho, que quando engrena num assunto vai abrindo as asas, batendo as patas no chão que nem cavalo nervoso). Lembrei que ele sempre tivera essa mania de imitar, de parodiar; perguntei a ele: e quando você parodiou O Corvo, já usava essa máquina? O Grifo respondeu: claro que não, eu comprei anteontem. E você já usou a máquina, perguntei; ele me disse que era uma máquina muito boa, funcionava otimamente. Ficou inclusive me mostrando umas manivelas que acionavam a geringonça. Conversamos de mais algumas coisas, e me despedi, era de tarde.
O que não me sai da cabeça agora é o seguinte: e se o diabo da máquina estava ligada, tudo o que falamos era uma paródia de alguma outra coisa? Mas do quê?

18 de maio de 2009

No pagode do Horácio


Nem queira saber, é zica isso aí, Leuconoe minha nega,

que fim os deuses armaram pra mim e pra ti;
larga dos búzios, o que vier, virá;
quantos verões, o que Deus mandar,
vê se as pedras param as ondas do mar.
Saca o seguinte, toma uma branquinha;
corta o pano do céu pra forrar esse barraco. Enquanto estamos de papo,
foge o malandro do tempo: cata cada dia com a mão
quem se liga em futuro é otário.





Ode I 11 - Horácio (Quintus Horatius Flaccus)
Tu ne quaesieris (scire nefas), quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoë, nec Babylonios
tentaris numeros. ut melius, quicquid erit, pati!
seu plures hiemes, seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.



Tradução que fiz, da ode de Horácio subindo o morro. Veja um trabalho erudito sobre essa ode aqui . Traduzi com a ajuda do programa words, excelente, confiram: http://www.erols.com/whitaker/words.htm

4 de maio de 2009

Ao mês de Maio

maio, maio

mês do raio

de luz que abre meus olhos,

aquarela feita de orvalho;

onde os azuis e os vermelhos

que existem só em teus ocasos?



maio, maio

mês do raio

de luz branca cristalina:

ilumina a trilha, a mente aclara.

as mentiras alheias eu encaro;

joga meus olhos sobre as minhas.


maio, maio

mês do raio

freme a terra com a luz que vibra,

força suprema sem trabalho,

dá às coisas uma cor de sonho

das tardes claras do mês de maio.