Temos todos certa sombra que nos segue, nos persegue, que nasce e renasce em nós. Mas outras sombras são maiores, são persistentes e pairam persistentemente sobre uma cidade, um país, um mundo. Sob a sua sombra, acostumamos; não as percebemos, perenes como o sol.
Nesses dias muitas delas apareceram, e assustam às vezes. A ocasião de ver.
Nesses dias se matou um rapaz, um homem já feito, assim um pouco mais ou menos da minha idade, meu semelhante; esse homem quando um bebê de 1 ano e 8 meses foi torturado.
Nesses dias, a Igreja, uma organização antiga, fechada, poderosa e com muito dinheiro, deixou entrever por uma rachadura as lutas internas que tem. O humano, o mundano que compõe o recheio daquelas torres e claustros de paredes impávidas. E o que todos supõem foi dito, mais claramente impossível, pelo ex-Papa, que desceu do salto: não é divino, mas um miserável sujeito das contingências das disputas mesquinhas de poder, por vezes pérfidas, normalmente impiedosas. Nunca foi cordeiro, mas encarou lobos maiores. Aleluia que se mostrou homem. Mas para reconhecer-se homem ainda faltou, parece; não será dessa vez.
Temos as nossas próprias sombras ainda, e antes de jogar luz sobre elas ainda não veremos a luz sobre essas sombras maiores; não é uma questão de um dever moral exterior. Eu mesmo não exponho aqui as minhas sombras que entrevejo, lançar luz é mais sutil do que a exposição histérica, não sei bem. Mesmo o sol cega. Mas fechar os olhos é que não dá mais.